Eduardo Tardelli é um dos nomes mais influentes no setor de tecnologia e compliance no Brasil. Com mais de 15 anos à frente da upLexis, empresa pioneira em análise de dados e automação para
compliance, ele compartilha a sua experiência e visão sobre os desafios de liderar num mercado competitivo e em constante evolução.
Carreira e Liderança
Você tem uma trajetória impressionante no setor de tecnologia. Quais foram os momentos mais marcantes da sua carreira e como eles moldaram sua visão de liderança?
Antes de empreender eu trabalhei por mais de 10 anos em empresas de consultoria em TI, desenvolvendo e gerenciando diversos projetos de tecnologia em diferentes mercados, tecnologias e complexidades. Esta experiência de anos trabalhando em consultorias me trouxe uma visão ampla de trabalho em equipe, foco em resultados e gestão de recursos humanos, principalmente em ambientes sob pressão de entrega e budget financeiro.
Ao longo de minha carreira profissional como funcionário eu tive oportunidades de comemorar promoções, desenvolver pessoas e também passar por um processo demissionário na crise do mercado financeiro em 2008.
Todas estas experiências foram essenciais para a minha carreira como empreendedor, pois sabia que precisava construir e manter um bom time de profissionais motivados e focados no mesmo propósito, sempre com poucos recursos e muita dificuldade. Posso dizer que após todos estes anos empreendendo, sou uma pessoa realizada e feliz com a minha trajetória profissional.
Mencionou a importância de construir e manter um bom time. Quais estratégias utiliza para motivar e reter talentos em um mercado tão competitivo como o de tecnologia?
Eu diria que o principal ponto é deixar claro os objetivos desejados, a expectativa que temos no colaborador, criar um ambiente aberto e de confiança onde os colaboradores podem se desenvolver profissionalmente, trabalhar em equipe e serem responsáveis pelas suas entregas. Quando o time trabalha junto e focado em um mesmo objetivo, todos conseguem dar o seu melhor, remar na mesma direção e desenvolver o seu senso de pertencimento.
Hoje na upLexis deixamos bem claro a todos os colaboradores o real propósito da empresa, porque fazemos o que fazemos, qual a nossa importância para nossos clientes, nosso impacto social e o que almejamos como meta da empresa. Todos precisam estar alinhados e entender que além de um produto de software, entregamos uma prestação de serviços a nosso cliente e o conjunto da soma do produto e da prestação do serviço é que nos diferencia da concorrência.
Como CEO da upLexis, quais foram os maiores desafios que enfrentou ao longo desses 15 anos e como os superou?
Nos 5 primeiros anos da upLexis nós trabalhávamos para sobreviver, tínhamos poucos clientes concentrando boa parte de nossa receita, tínhamos deficiências em processos e recursos, sem contar ainda na dificuldade financeira em manter a empresa funcionando e pagar as contas todos os meses. Chegamos a abrir conta bancária e contrair dívida em 3 bancos diferentes e trabalhar para pagar os juros destas dívidas.
Como se não bastasse, tivemos desavenças entre os sócios e tivemos que passar por uma briga judicial que nos tomou quase 5 anos de energia, foco e noites de sono. Entretanto, tudo isso foi necessário para chegarmos onde chegamos hoje, visto que nos tornamos mais fortes e preparados para os desafios de empreender no Brasil.
Somente após resolver a questão societária, adquirimos a parte dos sócios que saíram, que conseguimos realmente focar em produtos e vendas e fazer nosso faturamento crescer consideravelmente, tracionando o crescimento da upLexis.

Hoje somos uma empresa focada em evoluir e inovar sempre nosso produto, a plataforma upMiner, bem como atender nossos mais de 450 clientes no Brasil e no exterior, não possuímos mais nenhuma dívida, damos lucros há mais de 8 anos e nosso crescimento é saudável, baseado em crescimento orgânico de nossa base de clientes.
Temos orgulho em dizer que somos 100% BOOTSTRAP, ou seja, não dependemos de capital externo de investidor, todo o nosso crescimento vem de nossos próprios clientes.
Sua experiência como Angel Investor lhe deu uma visão ampla sobre startups. Quais características ou estratégias considera essenciais para o sucesso de uma startup em mercados emergentes?
Primeiramente você como empreendedor deve ser resiliente e acreditar no seu produto e serviço. Invista o máximo do seu tempo em construir o melhor produto viável possível antes de tentar escalar seu negócio ou mesmo buscar investimentos externos.
Você sofrerá muitas derrotas e negativas ao longo de sua trajetória, mas a sua visão de vencer não pode mudar. Busque crescer a sua empresa sem necessitar de capital de terceiros (Family e friends, Anjos investidores, VCs, CVCs, etc.), pois crescer com o seu próprio capital te dará maior liberdade de escolhas, decisões e foco no negócio no futuro.
Sei que crescer sem ajuda de capital externo é bem desafiador, mas não é impossível e os empreendedores que conseguiram fazer isso, constroem uma empresa sólida e mais preparada para um futuro sem amarras de terceiros.
É por isso que admiro todas as startups que nasceram e continuam bootstrap, pois é uma escolha árdua feita pelo empreendedor e não conheço ninguém que se arrependeu em ser bootstrap, muito pelo contrário, conheço vários empreendedores que se arrependeram por terem trazido capital externo para dentro da empresa, pois junto com isso vieram diversas obrigações, restrições e amarras, que somente conhecemos nas entre linhas dos contratos de M&A e que mudam por completo uma empresa startup na sua trajetória de crescimento e maturação.
Transformação Digital & Big Data
A upLexis é referência em análise de dados e compliance. Como as vossas soluções podem ser aplicadas para resolver desafios específicos em mercados emergentes, como os dos países da CPLP?
Em mercados emergentes como o Brasil e países de África, ainda é muito comum encontrar fraudes e esquemas de corrupção envolvido nos negócios, principalmente quando há interação com o Governo. As soluções da upLexis através da plataforma upMiner, possibilita agregarmos centenas e centenas de fontes de dados públicos, privados, fontes de dados nacionais e internacionais, bases de dados proprietárias, enfim, uma infinidade de informações relevantes para conhecer melhor o seu cliente, fornecedor, funcionário ou mesmo parceiro de negócio, processamos tudo isso e geramos em real time relatórios gráficos e analíticos para os tomadores de decisão de risco, minimizando perdas e fraudes através do conhecimento e da informação.
A decisão de risco passa a ser 100% data driven ou seja, baseada nos dados obtidos na consulta do relatório sobre uma pessoa física, uma empresa ou mesmo um grupo econômico. Conseguimos identificar em um simples clique de mouse se a empresa possui dívidas, quem são seus sócios e administradores, se há envolvimento com pessoas politicamente expostas, trabalho escravo, mídia negativa, lista de sanções, etc. São várias esferas de risco: risco financeiro, risco de imagem, risco trabalhista, risco sócio ambiental e outros.
Cada país possui mais ou menos informações públicas e privadas disponíveis nos portais do governo ou mesmo nos bureaus de crédito e empresas de dados. O nosso trabalho consiste em mapear todas estas bases de dados relevantes para a tomada de decisão, integrar todas elas a nossa solução e pronto: automatizar os relatórios de risco de pessoa física e jurídica para nossos clientes.
Como estamos falando de um volume massivo de dados, não podemos nos esquecer do uso da Inteligência Artificial no processamento e análise de todos estes dados. Hoje a upLexis já disponibiliza análises realizadas e potencializadas pela IA aos seus clientes.
Com a crescente preocupação com privacidade de dados, como as empresas podem equilibrar o uso de big data com o cumprimento de regulamentações sobre “proteção de dados”?
Como lidamos com dados, a segurança da informação é algo extremamente importante para nós aqui na upLexis. Além de presarmos e investirmos muito em segurança da informação, nossas soluções são vendidas exclusivamente para empresas (B2B) com contrato de prestação de serviço e com a finalidade para a qual será empregada a informação, ou seja, o legítimo interesse no uso da informação para evitar crimes, fraudes, lavagem de dinheiro, corrupção e perdas financeiras.
Desta forma, as empresas garantem que o uso da informação é para evitar eventos como este e não para outras finalidades obscuras e que vão contra a LGPD. Aqui no Brasil, temos muita demanda dos departamentos de Compliance das empresas no uso de nossas soluções, bem como estamos presentes no governo em áreas como ministério público, controladorias e procuradorias.
A análise de dados pode desempenhar um papel crucial na transformação digital das empresas lusófonas. Quais setores você acredita que podem se beneficiar mais dessas tecnologias?
Todas as empresas precisam de informações para tocarem seus negócios, quanto mais digital o seu negócio for, mais informações será possível processar em tempo real. Empresas que estão investindo em automação de processos como bancos e fintechs são grandes demandadoras de soluções como a plataforma upMiner da upLexis, principalmente para fazer o processo digital de onboarding do cliente, ou seja, o processo de Conheça seu Cliente (KYC).

A indústria do varejo, energia, construção civil, saúde, agronegócio e mineração também demandam muito nossas soluções para avaliar seus fornecedores na cadeia de suprimentos, muitas vezes na casa das centenas ou milhares. Há também empresas que buscam nossas soluções para analisar conflito de interesse podendo cruzar centenas de funcionários contra centenas de fornecedores e verificar em segundos se há algum tipo de relacionamento direto ou indireto entre eles.
Atendemos também muitos escritórios de advocacia e empresas de auditoria que trabalham como levantamento de bens e imóveis, processos de M&A, análises de risco, due diligences e background checks.
Recentemente aqui no Brasil passamos a ser procurados pelas empresas de apostas online (Bets online), já que recentemente o governo nacional regularizou este mercado que antes estava livre e sem qualquer controle.
Você referiu que bancos, fintechs, escritórios de advogados, empresas de auditoria, etc., demandam muito as vossas soluções. Como vê o papel do upMiner na transformação digital das empresas brasileiras nos próximos cinco anos?
O upMiner é e continuará a ser uma ferramenta fundamental para a transformação digital de muitas empresas aqui no Brasil e no exterior. Uma vez que você automatiza o seu processo de background check e due diligence através da plataforma upMiner, você transforma por completo a sua operação, ganhando escala, padronização e personalização do acesso aos dados, rastreabilidade, gestão e controle e também a segurança dos dados.
Uma vez atingido este estágio de digitalização e automação, não há como voltar atrás, pois os ganhos de performance, redução de fraudes e economia de capital são brutais, a empresa cliente passa então a trabalhar em um novo patamar de controles de Gestão de Risco e Compliance, gerando um ganho fenomenal para toda a operação e para o futuro da empresa.
Colaboração Internacional e Startups
O acesso desigual à tecnologia ainda é um problema significativo em alguns países da CPLP. Que papel as startups tecnológicas podem desempenhar na redução desse gap digital por meio da colaboração internacional?
As startups viabilizam o uso da alta tecnologia muitas vezes restrita a grandes empresas empacotando-as em soluções mais acessíveis e a custos menores, seja no modelo SAAS (software as a service), seja no uso por demanda pontual e customizada.
Devido à padronização e comoditização da tecnologia, as startups conseguem identificar uma dor de mercado e rapidamente criar um MVP (Produto Mínimo Viável) para ser testado e utilizado pelas grandes empresas, muitas vezes mais lentas e avessas à tecnologias disruptivas.
Quando falamos de startups que resolvem um problema na língua portuguesa, seja aplicando IA ou não, este mesmo problema pode ser replicado para todos os países da CPLP. Muitas vezes você possui um problema em sua empresa e em seu país, que o mesmo já possui uma solução construída por uma startup em outro país de língua portuguesa, por isso que é muito importante criar este elo entre as startups dos países da CPLP junto às empresas e governos destes mesmos países, viabilizando um ecossistema de colaboração e inovação internacional.
Acredita que hubs tecnológicos regionais (como Lisboa ou São Paulo) poderiam atuar como catalisadores para conectar startups e grandes players em toda a CPLP?
Sem dúvida. Os hubs tecnológicos exercem muito bem este papel de fazer a ponte entre startups e mercado privado e governo. Muitas vezes a solução nem existe ainda, mas existe a demanda e existe uma startup que domina uma tecnologia específica e está disposta a criar uma solução tecnológica para aquela demanda identificada.
Os hubs tecnológicos devem fomentar este ecossistema de inovação, viabilizando a interação entre as partes interessadas e cidades como São Paulo e Lisboa são candidatas naturais para desenvolver e dar condições a estes hubs. Lisboa porque é a porta de entrada para o continente europeu e também faz ponte direta com países CPLP na África.
Já São Paulo é o maior centro de negócios da América Latina englobando um parque enorme de empresas, universidades, recursos financeiros, governo e localização geográfica. Ambas as cidades já fazem este papel atualmente, mas sempre dá para melhorar ainda mais este ecossistema de inovação e conexão com os países CPLP.
Que iniciativas específicas poderiam fortalecer ainda mais a colaboração entre startups e grandes players nos países da CPLP?
Pode-se começar simples com webinars envolvendo especialistas profissionais de empresas dos países da CPLP para tratar de assuntos pertinentes aos seus negócios, envolvendo desde as questões regulatórias, tecnológicas, mercadológicas e relações humanas. Já em um segundo momento, pode-se promover a participação pontual em congressos diversos de setores já existentes atualmente ou mesmo criar um evento exclusivo para fomentar este elo entre os países da CPLP.
Junto a isso, pode-se promover missões e visitas a empresas, centros de estudo, fundos de venture capital em países da CPLP, buscando fomentar negócios entre estes países já que a língua não é uma barreira. Somado a todo este contexto, o governo destes países também deveria se juntas a estes hubs tecnológicos para cocriar iniciativas que fomentem a inovação e negócios em conjunto nos países da CPLP.
Como você vê o papel das tecnologias baseadas em inteligência artificial na análise preditiva e na automação de processos empresariais?
A inteligência artificial evoluiu muito e já está revolucionando todos os mercados. Não há mais como negar ou mesmo postergar este movimento. Com a quantidade infinita de dados disponíveis nas empresas e no mercado, é possível construir modelos cada vez mais avançados de IA preditiva, automatizar mais e mais processos antes manuais, morosos e burocráticos.
Enfim, eu vejo a tecnologia como meio e não como fim, ela está aqui para nos auxiliar em nossas tarefas e desafios da vida moderna e não para nos substituir. Vejo uma grande revolução acontecendo neste momento no mercado, várias empresas buscando mais eficiência e velocidade a menores custos e isso só é possível através da automação e IA.
Ainda há muita ineficiência nos processos empresariais, ainda há muito para melhorar e por isso que vemos mais e mais startups nascendo e crescendo a cada dia, pois nunca tivemos tanta tecnologia disponível para uso e consumo a um preço acessível.
Empreendedorismo e Inovação
Quais lições aprendidas com o ecossistema brasileiro de startups podem ser aplicadas aos países lusófonos para fomentar inovação e crescimento sustentável no setor de Regtechs?
O Brasil passou ao longo de sua história por grandes eventos envolvendo corrupção no governo e na iniciativa privada. Tudo isto gerou novas legislações e o Compliance passou a ser estratégico para as empresas, inclusive fazendo parte do valuation das empresas e grau de investimento. Foi neste contexto de aumentar o controle e regulamentação que as regtechs cresceram com suas soluções tecnológicas diversas para atender este mercado carente por tecnologia.
Nos países lusófonos o cenário é similar, alguns já chegaram neste nível de maturidade, outros ainda não, mas o fato é que o Compliance e a regulamentação cada vez maior é uma tendência mundial em um mundo cada vez mais complexo, é uma necessidade da sociedade e dos negócios, por isso o campo das Regtechs só tende a crescer ano após ano, principalmente impulsionado agora pelas tecnologias de IA e blockchain.

Como as startups dos países da CPLP podem se diferenciar em mercados saturados, especialmente no setor tecnológico, onde a inovação é constante?
Cada país possui sua regulamentação e necessidades. As startups destes países podem construir soluções que atendam muito bem o mercado local primeiramente, focando em um problema real das empresas e governo do país para só depois pensar global. Há muitas startups que nascem, crescem e prosperam assim, ou seja, olhando um nicho de mercado local e criando uma solução que efetivamente resolva um problema real deste público.
A inovação muitas vezes exige assumir riscos calculados. Qual é sua abordagem para identificar quando vale a pena investir em uma ideia disruptiva versus manter foco no core business existente?
Aqui na upLexis nós sempre avaliamos detalhadamente quão replicável é uma demanda que chega de um cliente antes de desenvolvermos a solução. Estamos sempre pensando em desenvolver algo que seja escalável e replicável já que trabalhamos no modelo SAAS. Se a demanda que veio do cliente for exclusiva dele apenas, preferimos dizer não a este cliente e perder uma oportunidade de desenvolver uma solução única do que investir nosso escasso tempo e foco em uma solução não escalável.
Não somos fábrica de software e tudo o que desenvolvemos é para compor a plataforma upMiner de propriedade da upLexis. Temos trabalhado desta forma e nossos clientes entendem muito bem nosso posicionamento e o respeitam, pois sabem que é um posicionamento legítimo e não oportunista apenas para viabilizar mais uma venda dentro da meta da empresa.
Que conselhos você daria para empreendedores que estão começando em mercados emergentes, enfrentando desafios como falta de infraestrutura ou acesso limitado a capital?
Primeiramente estudem e entendam muito bem seu mercado e cliente, sua dor e as possibilidades de solução através de tecnologias disponíveis. Foquem o máximo de seu tempo em validar, construir e homologar uma solução tecnológica que realmente resolva uma dor de seu mercado antes de querer sair vendendo ou contratando pessoas para sua empresa, aumentando desnecessariamente o seu custo fixo.
Foque em construir um bom produto, pois um bom produto se venderá naturalmente e os investidores e clientes interessados surgirão aos montes no momento certo. Busque um problema real do mercado e não apenas uma solução de software para diversos problemas. Esteja junto de seu usuário, aprenda com ele, não seja arrogante, nunca pare de inovar e acredite no seu potencial.
Aqui no Brasil é inacreditável o quanto os empreendedores nacionais conseguem construir com nada ou quase nada de apoio e recursos financeiros, pois, isto é, uma grande característica e vantagem do contexto de país emergente que vivemos. Mares calmos não constroem bons marinheiros e com os empreendedores é o mesmo que acontece: perante as suas dificuldades, cria-se as oportunidades, faça de seu limão uma limonada, encontre solução aos seus problemas e você terá sucesso!nstroem bons marinheiros e com os empreendedores é o mesmo que acontece: perante as suas dificuldades, cria-se as oportunidades, faça de seu limão uma limonada, encontre solução aos seus problemas e você terá sucesso!
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